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CEMITÉRIO INDÍGENA

[AUTO DE CORDEL PARA CRIANÇAS]

 

 

Olhem bem para a História e me digam o que

Os colonizadores fizeram na América, na África,

No Oriente. É ou não é uma atitude demente?

 

Dizimar populações inteiras e exterminar com a

Cultura, a tradição e a mitologia é coisa de gente?

A Europa, que tinha filósofos e artistas de grande

Envergadura, teólogos, pensadores e arquitetos

Importantes, proibiu as línguas nativas, aboliu

Os dialetos, impôs a censura.

 

Degolou heróis, decapitou os resistentes,

Transformou as tribos em povos errantes.

Digam com sinceridade: isso é um ato de bravura?

Quem são os bárbaros, quem são os civilizados?

 

Povos pacíficos que dançam e cantam em seus prados

São fulminados por batalhões de soldados, pois

Cultivam uma sabedoria milenar independente.

 

Só não vê quem não quer: o indígena foi morto

Por ser diferente. Não abdicou de sua fé, de suas

Crenças & postulados. Que me desculpem os doutos,

Mas os colonizadores só podem ser estúpidos,

Paranoicos ou tarados.

 

Nessa balada, incas, maias e astecas foram pra

Cucuia, junto com suas pirâmides, seus saberes,

A mitologia e toda a engenharia.

Enquanto os civilizados empalavam hereges e torturavam

Mulheres e crianças no ritual da Inquisição, o Peru

Estava a um passo de abrir sua primeira universidade.

 

Coloque-se no lugar do nativo por um instante.

Não se acanhe, será um momento marcante.

Diga lá, mehmão, o que você faria se visse

Pela frente um espanhol renitente a explicar

O mistério da Santíssima Trindade? Pai, filho

E uma pomba encerrados num mesmo casulo.

Sinceramente, o que você responderia ao frade?

 

Matematicamente, não seria um teorema nulo?

Ou o arbusto que fala, o paralítico que anda, o mar

Que se abre, a água se transformando em vinho.

Em sã consciência, você não acha um escarninho?

 

Agora, vamos inverter os papéis: você é o espanhol

Colonizador que visita Machu Pichu e percebe o

Sofisticado mecanismo de levar água até o cume.

Em termos de tecnologia, não ficaria com ciúme?

 

Vamos nos reportar àquela época remota

Em que a realeza deitava, rolava e fazia chacota.

Ingleses, espanhóis e portugueses eram os reis

Da cocada preta. Tinham o navio, a fragata,

A corveta. Singravam mares e oceanos para

Aumentar o império. Uma missão especial,

Um projeto sério.

 

Eram humildes missionários,

Levavam a sagrada palavra de Cristo aos mais

Longínquos hemisférios. Pois muito bem.

A primeira coisa que a frota lusitana fez ao

Chegar ao Brasil foi um ato antiecológico:

Cortou uma árvore para construir uma cruz.

Nada poderia ter sido mais didático e lógico.

Seja honesto & sincero: o que você deduz?

 

Diga lá, mehmão, você sabia que os tupiniquins

Detinham uma pedagogia revolucionária de

Ensinar as crianças sem enchê-las de porrada?

Hoje os estudiosos europeus tiram o chapéu,

Mas na época toda essa manha foi ignorada.

 

Tanta ciência, tanta arte, tanta sabedoria, dois

Mil anos de cultura jogados na sarjeta. Nada

Viram na Bahia, em Iquitos, no Uruguai,

Pois seu cérebro era do tamanho de um bonsai.

Só tinham em mente a melhor maneira de

Roubar as pedras preciosas, o cobre, a prata, o

Ouro. Para fazer lastro, só pensavam no tesouro.

 

Diga lá, atente para o seguinte: a cabeça dos

Conquistadores era binária, não passava de

Um cérebro micado sem requinte que

Só pensava na conta bancária. Para isso,

Tiravam o couro dos indígenas que brandiam

Como troféu. Se fosse hoje, estariam todos

Trancados no Pinel.

 

Sem mais delongas, vou finalizar: Me digam,

Então: diante dessa carnificina, quem é o

Ignorante, quem é o sabichão? Quem é o fantoche

E quem rege sua sina? Construir o mundo em cima

De um cemitério indígena não gera maldição?

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Furio Lonza

Escritor e dramaturgo

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Rio de Janeiro

 

Fotógrafo

rodrigopetrella

 

setembro 2020