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PENSAMENTOS, PALAVRAS E OBRAS

 

 

 

 

 

No conto “Pensamentos, Palavras e Obras”, João Ubaldo Ribeiro descreve as dificuldades de um garoto às vésperas de sua confissão preparatória para a primeira comunhão. Ele está atormentado pelos ensinamentos da professora de catecismo que sentenciou em sala de aula: peca-se por pensamentos, palavras e obras. Não pecar por palavras e obras é fácil de controlar, mas o problema é segurar os pensamentos, impossível evitar pensar besteira e safadeza na hora da confissão. A artimanha que o guri encontra pra não pensar merda na hora agá, consiste em produzir sons, os mais altos possíveis, com a boca fechada e, ao mesmo tempo, fechar os olhos e tapar os ouvidos, fazendo ruídos do tipo (mmm-mmm-mmm e bzzz-bzzz-bzzz) que retumbam pelo cérebro e ocupam o lugar de pensamentos pecaminosos.

Sugiro essa tática a todos os participantes do Big Brother, o programa seria um fracasso de audiência, mas os participante poderiam sair do confinamento impolutos, celestiais, juntos e de mãos dadas, sem vencidos ou vencedores. E por que o BBB? O programa descobre e revela, para um público de milhões de pessoas, o que pensam os participantes. Força-os a pecar por pensamento. Quando pecam são condenados à expulsão, ao cancelamento, ao degredo, ao ostracismo social, ao escárnio do povo que se diverte atirando tomates virtuais enquanto a cabeça da sister ou do brother está na guilhotina. A condenação da “web” é uma só: perpétua! Sem direito a relaxamento da prisão, sursis ou habeas-corpus.

 

Ninguém deveria ser julgado ou punido pelo que acontece ali dentro, onde laços e identidades são suspensas, as individualidades são amesquinhadas num jogo, original e intrinsicamente, perverso - uma atração com nome desagradável e sem nenhuma ironia. Dentro da casa, naquele território de guerra, as pessoas não se comportam como aqui fora, na "civilização", estão em disputa. O reality não é menos grotesco que Sílvio Santos atirando dinheiro para uma platéia que se estapeia atrás de notas de 50, 100 reais. 

A sociedade eletrônica punitiva está instalada e deveria ser combatida. Talvez o público também precise fazer mmm-mmm-mmm bzzz-bzzz-bzzz, para se afastar dos pecados, não julgar e não passar pelo julgamento de Deus ou de um Grande Irmão com a câmera engatilhada apontada para os seus ohos. Bzzzzzzzzzz.

 

Gil Rodrigues

Roteirista, jornalista e editor da revista Ignorância times

 

foto

artist© Zdzisław Beksiński

by Muzeum Historyczne w Sanoku)

 

Rio de Janeiro

fevereiro de 2021