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MÃE PRETA

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MÃE PRETA é um projeto de exposição de arte e pesquisa da dupla de artistas cariocas Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa que aborda a memória da escravidão no Brasil através do questionamento do olhar habitual sobre imagens da maternidade negra em arquivos históricos, suas reverberações no Brasil contemporâneo e as lutas das mulheres negras contra o racismo e a violência operadas pelo Estado branco patriarcal. O projeto busca traçar uma relação histórica entre locais de memória da escravidão nas cidades brasileiras, os vastos arquivos fotográficos, artísticos e midiáticos que construíram a imagem comum da escravidão no subconsciente da cultura brasileira, e como estes se relacionam com, e são contestados por, movimentos sociais, políticos e ambientais na atualidade. A cegueira da sociedade branca brasileira em relação à questão racial é por definição criminosa pois advém de um legado escravagista que ela custa em admitir e reparar. Acreditamos que a arte tem uma importante contribuição no sentido de revelar lutas históricas para enfrentar o cenário politico atual, pois tem o poder de criar novas imagens e novos vocabulários que operam no insconsciente dos espectadores em direção a uma mudança nos modos de olhar, pensar e agir.
 

Desde 2016, o projeto circulou em 5 cidades brasileiras – Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, São Luís do Maranhão e Campinas – examinando a memória da escravidão, a representação histórica da maternidade negra em arquivos visuais, e as lutas de justiça social e racial em diversos contextos. Em cada uma dessas cidades, formam-se novas parcerias, tanto em termos de espaços culturais alternativos, sítios arqueológicos e novos territórios, quanto em termos de novos colaboradores e grupos que participam com performances e ações educativas do projeto ampliando o seu alcance e expandindo as abordagens sobre os temas da exposição.

O ponto de partida são as representações visuais de relações maternas no vasto acervo de imagens da escravidão feitas por artistas viajantes como Rugendas e Debret e fotógrafos como Marc Ferrez, além de pesquisa em jornais de época em relação ao comércio do leite materno de jovens escravizadas ao longo do século 19. Por meio de intervenções nessas imagens muito conhecidas com objetos óticos, como lupas e vidros, e objetos rituais das religiões de matriz africana, são destacadas a duplicidade e complexidade das relações das amas-de-leite com as crianças brancas aos seus cuidados e com seus próprios filhos nos tempos da escravidão. Esta pesquisa dentro dos arquivos visuais fotográficos nas zonas urbanas e rurais do Rio de Janeiro vai de encontro ao movimento de memorialização da escravidão na região portuária da capital carioca, movimento iniciado durante o período pré-olímpico, principalmente com os achados arqueológicos do Cais do Valongo e seu entorno. Não podendo mais esconder o passado escravagista da cidade atrás do projeto urbano modernista, em parte construído sob a ideologia da democracia racial dos anos 30 e de um projeto progressista do “país do futuro”, é inevitável a reavaliação  da cidade e suas (auto-) representações diante de seu passado como maior porto escravagista da história da humanidade.

 

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Em relação ao período pós-abolicionista, as artistas pesquisaram o movimento da imprensa negra paulistana em sugerir um monumento à mãe preta na década de 1920 como forma simbólica de reconhecer o papel fundamental da raça negra na construção do país, esforço que foi sufocado pelo Estado Novo na década seguinte. Já em Campinas, a última cidade brasileira a efetivamente abolir a escravidão tendo como resistência a economia cafeeira naquela região, a luta pela memória e por territórios negros se expressa através da participação do Grupo Cultural Fazenda Roseira com uma obra inédita em forma de um herbário ancestral, onde é revelado o profundo conhecimento das plantas medicinais e rituais passados de geração em geração, igualmente aliado a movimentos de justiça racial e ambiental no Brasil.

Já adentrando as lutas contemporâneas, principalmente os movimentos do feminismo negro da última década, um trabalho em vídeo completa o trabalho, realizado em parceria com mães negras, assim como mães militantes no Rio de Janeiro. Em relação ás lutas pela memória negra em diversos territórios, o projeto deslocou-se até o Maranhão, onde uma colaboração com o Quilombo Santa Rosa dos Pretos a 100km da capital revela a confluência da memória e da maternidade negra diante das lutas ambientais, emu m video onde lideranças femininas do Quilombo Santa Rosa dos Pretos revelam o seu matriarcado através do prisma da encantaria maranhense.
 

Além das obras em fotografia, gravura, colagem e video, soma-se ao projeto uma parte educativa forte que atua na mediação com o público que visita a exposição. Em resposta às lacunas históricas sobre mulheres negras significantes na história brasileira, a obra Modos de Recordar – Mural das Heroínas apresenta 22 retratos de heroínas negras brasileiras, desde Dandara a Marielle Franco, inspiradas pela série de cordéis da cordelista e escritora Jarid Arraes. Os retratos são acompanhados de suas biografias que podem ser recolhidas pelo público e reutilizadas como material didático em diversos contextos,
 

A Biblioteca Mãe Preta é o foco central de todas as exposições, constituindo um espaço de convívio em uma mesa redonda (a roda) no centro das montagens onde os visitantes pode consultar títulos ora escritos por mulheres negras, ora títulos em que meninas e mulheres negras são protagonistas, além de títulos teóricos que inspiram novos modos de pensar as relações raciais no Brasil tendo as obras de arte como pano de fundo. O projeto também inicia e expande iniciativas educativas como por exemplo a doação da Biblioteca Mãe Preta à biblioteca comunitária do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, além de ser o objeto de estudo de diversas teses, e participar de conferências e cursos no Brasil e no exterior.  
 

As equipes educativas do projeto de cada exposição são um elemento fundamental na mediação das obras para visitantes, e são responsáveis pela programação cultural de cada exposição que inclui visitas escolares e de grupos de interesse, eventos musicais, culturais e literários. Em cada evento de abertura, sempre há performances exclusivas de dançarinas e multi-artistas como Jessica Castro e Glauce Pimenta Rosa, e a presença de grupos culturais de matriz africana com muito jongo e tambor de mina.
 

O projeto também publicou um catálogo com todas as obras e 7 ensaios inéditos de historiadores, antropólogos, escritores e pesquisadores brasileiros e internacionais que complementam a proposta artística com uma abordagem teórica sobre os temas abordados no projeto. Pode ser baixado aqui: maepreta
 

Mãe Preta teve sua primeira montagem em 2016 no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos no Rio de Janeiro, por meio do Edital Fomento Cidade Olímpica; pelo Palácio das Artes em Belo Horizonte em 2017 como uma das selecionadas no edital da Fundação Clóvis Salgado e, com o Prêmio Circulação Conexão Artes Visuais da Funarte, foi apresentada no Complexo Funarte em São Paulo em 2018 e no Chão SLZ em São Luís do Maranhão entre 2018/2019. Atualmente está em cartaz em duas localidades em Campinas, em ocasião do XII Festival Hercule Florence, no Instituto Pavão Cultural e na Fazenda Roseira entre fevereiro e abril de 2021.

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Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa

Artistas visuais

Site maepreta

 

Rio de Janeiro

março 2021