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PESQUISA

 

Em texto publicado na “The New Yorker”, o humorista Andy Borowitz fez o alerta: a terra está em perigo, após descoberta de nova cepa de humanos resistente aos fatos. Seria “uma cepa virulenta de humanos, que são virtualmente imunes a qualquer forma de conhecimento verificável, deixando os cientistas sem saber como combatê-los”.

 

Nossos pesquisadores deveriam aproveitar o filão. Temos farto material para estudo aqui, com diversas variantes, o que nos deixa em situação privilegiada para descobrir como combater tal ameaça. Quiçá, criar uma vacina em tempo recorde, mesmo prevendo forte oposição de nosso dileto comandante e sua cepa. Digo, seita. Digo, aliados.

 

Arrisco até a fazer uma sugestão, levando em conta o fato de que cientista brasileiro, a cada dia mais desprestigiado pelo governo, vive numa pindaíba de dar dó. Criar uma PPP, parceira público-privada, com forte apelo popular, envolvendo o único tema que mobiliza nossos cidadãos, emociona, gera revolta, indignação, paixão. Enfim, a força que nos move: o BBB. Ou seja, uma PPP com o BBB.

Podemos unir os conhecimentos dos cientistas aos de profissionais de TV com larga experiência na observação das mais variadas cepas humanas e alocar na casa, em cativeiro, um casal fortemente infectado. Exemplo: um espécime de deputado defensor de ditadura, tortura, AI5 e anabolizantes em geral e uma espécime de ativista de ultradireita, também defensora de espancamentos de ministros do STF, ainda de tornozeleira eletrônica, apesar de não mais reconhecedora do mito, que a deixou triste, tristinha, apenas por não ser o homão que ela pensava que fosse.

Postos em cativeiro, mulherão e homão, livres de focinheiras, seriam devidamente alimentados e teriam acesso a celulares que eles suporiam ser de uso restrito das forças armadas, mas cujos conteúdos seriam diretamente enviados a cientistas – claro, seguindo todos os protocolos de proteção para evitar possíveis contaminações.

 

Há que se ter muito cuidado com o televisionamento de tal experiência. Imagino que o estágio orgástico a que chegariam ao se verem envolvidos em paredões e eliminações não seja algo que nossos filhos possam ver sem serem danosamente afetados, ou infectados.

 

Podemos dispensar algumas provas. A prova do líder deixa de fazer sentido, uma vez que os líderes estão fora da casa, em outro hemisfério, até. A prova do anjo também se torna ineficaz, posto que nessa experiência não há anjos. Já a prova de imunidade seria amplamente rejeitada pelos participantes, afinal, essa não é pesquisa para maricas.

 

Momento de máxima atenção: o jogo da discórdia. Importante ter dardos tranquilizantes a postos, uma vez que o excesso de endorfina, dopamina e hormônios afins liberados neste momento pode gerar reações adversas que impossibilitem a continuidade da pesquisa.

Um ponto controverso: libera-se ou não a reprodução em cativeiro dos objetos de estudo? Por um lado, facilitar a reprodução de tais cepas pode ser arriscado, ainda que em ambiente controlado, dado o ineditismo da pesquisa. 

 

Por outro, seria quase lúdico ver as crias brincando de pique-vacina. Um rebento de vacininha, correndo atrás do outro e gritando vacinei, virou jacaré, enquanto o outro reclama, eu pedi gripezinha antes, pai, não valeu!

 

Por fim, ainda que os estudos sejam inconclusivos, apenas o fato de manter em cativeiro tais espécimes já servirá para retardar a proliferação de variantes da nova cepa. 

Se a ideia funcionar, aceito como paga uma singela placa em minha homenagem. De aço, para não poder ser partida.

Rodrigo Salomão

Roteirista

 

Ilustração

Printerest

 

Rio de Janeiro

fevereiro 2021