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DOIS MIL E VINTE

 

 

Históricos,

os desafetos

perceberam-se nas

extremidades de

um corredor

de supermercado;

tinham já

experimentado

o mal-estar em

dividir o

mesmo espaço,

mas ali, mascarados,

aparentemente

higienizados,

posicionados

ao modo dos

pistoleiros de

faroeste espaguete,

viviam uma inédita

modalidade de

constrangimento.

 

Tendo produtos

silenciosos e

(alguns deles)

fracionados como

audiência, ambos

margearam as

prateleiras em

desfile lento e

contrito; quando

passaram finalmente

um pelo outro, cada qual

em direção contrária,

os olhares fizeram

as vezes de rajadas

de balas, num silêncio

ainda mais ensurdecedor

do que o emitido

pelos itens ofertados.

 

Indiferentes a

quaisquer que

fossem os amores

inconfessos e as

relações mal resolvidas,

as irrefutáveis

especificações de

segurança daqueles dias

condenavam sumariamente

a vilania das aglomerações e

os famigerados abraços,

beijos e apertos de mão;

afinal, vicejava diligente,

ainda que negada

em praça pública,

dispositivos eletrônicos

e pronunciamentos

equivocados, a pandemia.

 

 

 

Rodrigo Carneiro

Poeta, músico e jornalista

 

Osasco- São Paulo

junho 2020