PANDEMIAS E PANDEMÔNIOS NAS ANÁLISES E PREVISÕES CONTEMPORÂNEAS
Marcada, especialmente no Brasil, pelas fake news e as noções de pós verdade, pode-se dizer que vivemos as previsões de Umberto Eco. O semioticista italiano afirmou que “I social media danno diritto di parola a legioni di imbecilli che prima parlavano solo al bar dopo un bicchiere di vino, senza danneggiare la collettività. Venivano subito messi a tacere, mentre ora hanno lo stesso diritto di parola di un Premio Nobel. È l'invasione degli imbecilli». Ou seja, as redes sociais deram voz aos imbecis, algum imbecil pode ter mais audiência que um prêmio Nobel.
Mas e quando um filósofo conhecido fala publicamente algo que só vinha a tona nos debates dos que denunciam teorias conspiratórias? Então, a Filosofia trombou com o Covid 19 dessa forma nesse início de 2020. Giorgio Agamben, também italiano, sem meias palavras, afirmou que a quarentena é um laboratório de um Estado de Exceção, onde as pessoas deverão passar a trabalhar e consumir em casa.
Agamben ganhou visibilidade internacional quando relacionou o conceito latino de “homem sagrado” com comportamentos sociais da contemporaneidade. Muitos colocam nele a etiqueta de marxista. De concreto ele é parceiro teórico de pensadores como Martin Heidegger, Walter Benjamin e Hannah Arendet, entre outros.
Uma sofisticação do vigiar e punir sinalizado por Michael Foucault, a ideia de Agambem é a de que o Estado está produzindo uma situação que é uma espécie de laboratório de um futuro onde todos serão monitorados desde as suas casas, de onde também trabalharão. Todos serão “sagrados”, mas poderão ser mortos. Uma espécie de Bacurau totalmente legalizado. Algo que o camaronês Achile Mbembe chama de Necropolítica.
Então o alerta de Agamben não pode deixar de ser percebido. Ainda que haja exageros ou conexões com as reincidentes teorias de conspiração, os usos das experiências do confinamento renderão novos comportamentos. Talvez não seja esse Estado que o Agamben ainda vê, mas um poder muito maior e invisível aos olhos dos bits and bytes, algo que ainda se pode chamar de grandes corporações. Esse é o poder que deve se fortalecer com as experiências sociais e políticas tornadas obrigatórias na pandemia.
As críticas ao desenho do contemporâneo rabiscado por Agamben se concentram, justamente, ao tamanho do papel que ele atribui ao Estado. Avaliações mostram que ao contrário, a incompetência do que restou do Walfare State pelo mundo para conter a pandemia está fazendo os Estados diminuírem ainda mais suas boas avaliações no sistema de crenças da sociedade. Resultado, em pouco tempo teremos “robocops” no lugar de prefeitos e afins. A “ordem” será mantida por “gerentes”, profissionais da administração, incorruptíveis, embora sigam ordens dos corruptos.
Já o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek, primeiramente viu possibilidades de avanços, como o fim do Estado Nação e potenciais ampliações de solidariedade e cooperação global. Logo acrescentou que o vírus também trouxe ainda mais racismo e xenofobia. A “batalha” pela sobrevivência inclui a criminalização dos doentes. A doença, aliás, é a grande inimiga da ordem anteriormente estabelecida (a economia não pode parar!), assim os doentes, os grupos de risco e os que falam muito sobre o vírus e a pandemia são considerados insensatos. E, ainda que não possam ser punidos (não há Lei e não poderia haver), tornam-se “sagrados” (conceito latino ampliado por Agamben) sendo assim sua morte é uma espécie de “desejo dos deuses”, ainda que haja assassinatos e negligências médicas e do Estado.
Zizek também afirma que pode haver mudanças no comportamento das pessoas. Vencer o vírus traria mais crédito para o pensamento científico, diminuindo dogmas religiosos e aumentando a união dos povos.
O esloveno destaca, no seu e-book recentemente lançado, que o fato de conhecidos governos austeros, acostumados a cortar tudo que é serviço social serem obrigados a investir na saúde pública chega a ser uma nova forma de comunismo e, talvez, a única maneira de evitar uma barbárie sem precedentes na História.
Pode-se dizer então que a Filosofia não explica os cracks comportamentais que devem suceder o fim do isolamento, nem tampouco o que estamos vivendo agora ou como será a política pós covid. Ainda bem! A palavra dos pensadores contemporâneos deve servir não de forma utilitarista ou teleológica. Sua importância é paradoxal como a frase da música Da lama ao Caos “que eu me organizando posso desorganizar, que eu desorganizando posso me organizar”, onde Chico Science e o Nação Zumbi apontam um raciocínio para além do binarismo entre bem e mal.
Continuemos, portanto, filosofando.