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A FESTA

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Na noite em que o ator Paulo Gustavo morreu havia uma festa na casa do vizinho. Moro em um prédio na zona sul do Rio de Janeiro. Nos fundos, uma rua cheia de casas muito elegantes. Só gente fina. Na festa, todos contentes, bebendo e dançando como se não houvesse amanhã.

 

Era uma terça-feira. A noite em que o ator Paulo Gustavo morreu. E tinha também jogo do Flamengo na Libertadores. Eu pretendia limitar minhas emoções à disputa na altitude, sem torcida, contra um time equatoriano. Minutos de começar a partida, já estava em frente à TV, cerveja bem gelada em mãos, entorpecimento encaminhado. Vencemos o jogo. Com emoção. Sem comoção. E tinha uma festa na casa vizinha. A música alta, como se não houvesse amanhã.

 

Festa no vizinho, festa na TV. Teve final do BBB, na noite em que o ator Paulo Gustavo morreu. Parece que o apresentador prestou homenagem rápida, disse que estavam todos consternados e seguiu o com o show. O show não pode parar. Vamos sorrir, que era o que o ator Paulo Gustavo, que morreu naquela noite, fazia tão bem. Sorrir e fazer sorrir. Vamos sorrir e celebrar a vida, como se não houvesse amanhã.

 

A festa na casa vizinha festejava os 18 anos do jovem neto da proprietária, na noite em que Paulo Gustavo morreu. Varou a madrugada. Sem máscaras, sem gel. Sem contagem dos mortos. Sem culpa. Se é para pegar alguma coisa, vamos pegar uns aos outros e foda-se a vida, já dizia a influenciadora fitness. Foda-se a vida. O jovem adulto já pode dirigir, vai ganhar um carro. O Flamengo ganhou o jogo. Juliete ganhou o BBB. Paulo Gustavo, não ganhou da Covid. Para ele, como para mais de 400 mil brasileiros, não há mais amanhã.

Rodrigo Salomão

Roteirista

Rio de Janeiro

Ilustração Printerest

maio 2021