E A MORTE HEIN?
NÃO ASSUSTA MAIS NINGUÉM!
A vida humana sempre esteve muito ligada a morte. Pois é, vivemos em função do que pensamos sobre a morte. Mas parece que isso está mudando, Será?
A história do pensamento filosófico da humanidade tem incontáveis debates e ensinamentos sobre o lugar da morte nas nossas vidas. Desde os gregos e mesmo no extremo oriente, Africa e na América pré-colombiana as civilizações sempre deram um status de primeira importância para a morte. Schopenhauer, por exemplo, chegou a dizer que a morte era a musa da filosofia.
Mas e hoje? Ao vermos milhares de mortes provocadas pelo Covid e uma quase disfaçatez dos vivos em relação a esses mortos não estamos presenciando uma alteração desse comportamento? O cadáver protegido por guarda sois no supermercado de Recife não é uma “prova” de que a morte já não é mais capaz de atemorizar ou “humanizar” as pessoas. A morte causa indiferença.
Então a preocupação filosófica com a morte de Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Montaigne, Epicuro, Espinoza, entre muitos outros, que colocavam a morte numa categoria grandiosa, temida e incompreensssível, está esvaziada. Lógico que esse esvaziamento não é por falta de reflexão filosófica, mas sim por um esvaziamento do sentido de vida para os humanos. Se a vida tem pouco sentido, a morte que é um acontecimento da vida (pois, só há morte depois que se percebe a vida), não poderia manter sua importância intacta.
A morte que já fez o petista José Genoíno abraçar Antônio Carlos Magalhães quando este enfrentou o falecimento do filho, Luis Eduardo. Genoíno que conhecia a morte pois foi guerrilheiro no Araguaia nos anos 1960, teve compaixão com o “colega deputado” naquele 1998. Hoje uma deputada mata o marido, que também fora filho, prostitui outros filhos e não há sequer uma nota pública do Legislativo a respeito. E, claro, as manifestações contra o aborto da menina de 10 anos não eram contra a morte e a favor da vida, eram militância religiosa.
Claro que isso merece aprofundamento, mas vejamos: a expectativa de vida aumentou tanto que abriram-se novos focos especulativos como asilos e turismo focado na chamada terceira idade. É praticamento proibido velar defuntos em casa. A morte tem um tratamento cada vez mais asséptico e desprovido do emocional. Ninguém mais cogita contratação de carpideiras, o choro é cada vez menos notado entre os que vão dar o “último adeus”, ainda que o sentimento apareça bastante nas chamadas redes sociais da internet.
Mesmo no caso da morte de personalidades públicas, já não se fazem mais desfile com caixão no carro do Corpo de Bombeiros. E isso aconteceu não só para Ayrton Senna, também vimos no enterro de aristas sertanejos e da banda Mamonas Assassinas. Poucas pessoas nas despedidas de Gugu Liberato, Beth Carvalho, Paulo Evaristo Arns, só para falar de alguns, também apontam um desinteresse pela morte, mesmo no caso de recentes tragédias automobilísticas de alguns ídolos sertanejos.
Alquimistas, bruxos, piratas, em quase todo o nosso imaginário existe a figura da morte como uma presença relevante e considerada. Os crânios humanos estão relacionados com sabedoria, em Hamlet, ou destruição, rótulo de veneno. Como se tratam de crânios e ossos humanos, a ideia de morte que se passa é a de coisa suprema (que pode tudo), portanto, humanos mais respeitavam a morte do que temiam. Hoje esse respeito desapareceu (na maior parte do planeta) e o temor foi rebaixado a categoria do “e daí?” pra lembrar uma expressão bem próxima da nossa terrível realidade.
Yuval Noah Harari, autor de 21 lições para o século 21, Sapiens: o nascimento da humanidade e Homo Deus: uma breve história do amanhã, tem dito que caminhamos para a superação da morte como a conhecemos. A expectativa de vida mais que duplicou em 100 anos e o conhecimento científico já possibilita estudar o porquê do envelhecimento das células, coisas como essas tem contribuido para uma diminuição do temor a morte.
O historiador e filósofo israelense diz que as religiões poderão perder o propósito de salvar almas. Os sacerdotes não teriam mais seu status de “negociadores” perante a morte. Essa responsabilidade passará a ser dos cientistas e médicos.
Os heróis de cinema contemporâneos tem uma relação com a morte como superável. Não como Super Man que faz a terra girar ao contrário para voltar no tempo e salvar sua amada Lois Lane, mas como Volverine que incorpora um super material ao seu corpo e se torna praticamente indestrutível. E o Doutor Fantástico que era médico e se depara com a prova de que é possível ter uma vida “eterna”.
O cinema que retratava a morte como algo inexorável, aterrorizante, insondável (como no Sétimo Selo de Ingmar Bergman), hoje passa a tratar concretamente de ganhar a partida de xadrez que o diretor sueco sugeriu nesse filme de 1957. A coisa começa a acontecer em Star Wars, afinal o cavaleiro Jedi cai na lava e depois ganha considerável sobrevida como Dart Vader. A antevisão mais forte de um futuro assim está na série Altered Carbon onde é apresentada uma sociedade de imortais que conseguem reproduzir o mesmo organismo que pode receber a mémória do último corpo deteriorado. Vida eterna!
Além dessa, outra série da Netflix, Ad Vitam, também retrata uma sociedade do futuro em que a imortalidade foi conquistada. O médico Henry Morgam é imortal na série Forever, uma vida eterna, temática que se repete em A incrível história de Adaline, ela torna-se imortal aos 29 anos nesse filme canadense. O tema está presente em O Homem da Terra , filme de 2007 que retrata a vida de um professor que muda de vida a cada dez anos para não revelar sua imortalidade
Então, quem sabe, aquele senhor que arrancou as cruzes simbólicas das vítimas do Covid em uma praia do Rio de Janeiro há pouco tempo, pode estar antecipando um comportamento futurístico em que ninguém mais vai respeitar a morte. Será que isso explica o baixíssimo volume dos protestos contra a atuação do governo federal quanto a epidemia que enfrentamos no Brasil?