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"A INTERNET TRANSFORMOU A VIDA DO RACISTA NUM INFERNO"

 

 

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Cid Moreira e Willian Bonner Já foram os caras do canal 4, para quem é do Rio de Janeiro. Quando falavam, brasileiros e brasileiras confiavam e aprendiam. Havia outros, de emissoras de TV menos artificialmente massificadas, como os canais 9, 11 e 7, que também tinham lá seu peso, vai. 

Estes homens brancos definiam e/ou apresentavam o que entrava no noticiário noturno, quando os chefes-de-família chegavam a casa e se inteiravam do que fora notícia naquele dia. Enquanto isso, as mulheres chefas-de-casa enfrentavam o terceiro turno: ver os deveres de casa da molecada, cozinhar para o dia seguinte, dar uma ajeitada no banheiro.... 

 

Havia também os programas de rádio e os debates comandados por radialistas de todas as cores e opiniões. Os jornais impressos e revistas eram caros para as pessoas mais pobres, sobrando aqueles com mais imagens, fotos espalhafatosas, eróticas, dramáticas e agressivas, que pouco conflitavam com o dito pelas vozes dos locutores noturnos.

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Uma geração de negros e negras – filhos e filhas dos chefes e chefas-de-família, que ouviam os locutores da noite – iniciou o século atual com idades entre 10 e 20 anos, quando os aparelhos de Fax e o Facebook, respectivamente, representavam a aposentadoria e o futuro nas formas de trocar informações. Não toda, mas uma parte considerável dessa galera estudou, empoderou-se e pôs os canais 4, 7, 9, 11, 13 e todos os demais em segunda opção. Depois em terceira e hoje pouco assistem ou pouco confiam. 

Essa geração também não era afetada pelas/os colunistas dos jornais de poucas imagens e mais conteúdo escrito. Aquela necessidade de correr às bancas de jornais ou pega-lo no tapete de entrada da casa para ler Villas-Boas Correa, Joaquim Ferreira dos Santos, Veríssimo etc. ficou mais atrelada à classe média nascida nas décadas anteriores e mesmo a seus filhos e filhas brancas. 

 

A geração negra empoderada até lê esse povo, vai, mas não são as falas mais desejadas. São falas brancas, repletas de branquitude, pois pouco dialogam, incluem e/ou respeitam as demandas, gostos, costumes, arte e dores da população negra. Falam para racistas (que se dizem não racistas) pouco se incomodarem com o racismo.

 

Sem dúvidas nem tudo é maravilhoso com a multiplicação de informações pela internet. Basta um celular e a opinião postada pode alcançar mais gente que o Bonner. E como tem gente querendo destruir pessoas, animais, matas e o mundo. Mas é preciso ter foco para envergonhar esse povo ruim e genocida. E a galera preta empoderada lê e carrega os ensinamentos de Lélia Gonzales, Beatriz Nascimento, Angela Davis, Muniz Sodré e mais intelectuais negros e negras potentes. 

 

Ah... essa galera... Essa galera preta veio para buscar o lugar que tiraram dos seus pais e mães, avós e avôs, bisavós e bisavôs e demais ancestrais que aportaram acorrentados e acorrentadas aqui. Essa galera mostrou a seus/suas docentes da universidade o tiro no próprio pé que deram quando publicaram aquela matéria jornalística, que escreveram contra as cotas raciais e em defesa da academia, no início dos anos 2000. Pior, está registrada na História. Negras e negros estão chegando nestes espaços brancos e precisam ocupa-los ainda mais. 

 

No início do século XXI, enfim, essa galera já estava mirando a universidade, com a ampliação de vagas nas instituições estaduais e federais públicas e gratuitas através das cotas raciais e sociais. Ela também poderia estar seguindo os passos de seus pais e mães que escreveram mensagens ritmadas pelo Funk e pelo Rap. Ser ouvida por todos, todos e todes nos bailes, rádios das comunidades e no Youtube era e é libertador. Seus passos, enfim, vinham de longe e noutro dia abordaremos a enorme contribuição do Movimento Negro. Hoje falaremos de como os "textões" no Facebook diminuíram o alcance da voz de Willian Bonner nos lares negros enquanto Fátima Bernardes se vira para aprender mais sobre a periferia e as comunidades. 

 

Minha inspiração para este nosso papo veio com a talentosíssima atriz negra Juliana Alves. No Botequim da Teresa, reuniram-se a deslumbrante e poli-artista Zezé Mota, a brilhante Teresa Cristina e a encantadora Juliana Alves, cuja frase deu título a este meu artigo. Mas ela ainda acertou outra pedra na lata: a internet "viraliza, denuncia e resolve aquele BO [Boletim de Ocorrência]. Ninguém quer ser cancelado, mas muitas das vezes é para se livrar da culpa". E ela bateu no lugar certo. 

 

Agora na pandemia uma pancada de gente de programas de TV aberta e fechada exibiu sua biblioteca particular, bem capturada por câmeras de celular, tablet ou computador, nas diferentes tomadas da telona. Entre as obras estavam pensadoras negras atualíssimas como a filósofa Djamila Ribeiro, a professora e ativista Angela Davis, e o filósofo Silvio de Almeida. Mas por que estes livros estavam lá? O que levou àqueles e àquelas formadoras de opinião, mormente brancas e brancos, a se debruçarem sobre tais obras?

 

E, vejam, as expôs ao grande público televisivo. A palavra racismo salta da capa dessas obras

Os textões da internet tiveram um papel fundamental nesse processo. Comecemos pelo site Blogueiras Negras (blogueirasnegras) nascido em 2012, que reuniu textos de mulheres negras acerca dos problemas trazidos pelo racismo. Autocuidado (exercícios físicos, pele, saúde), aborto, homoafetividade preta, heteronormatividade, engajamento antirracista, e dúvidas (qual minha cor? Sou mulher preta? Cabelo alisado ou encrespado? Como criar filhos negros? E a sala da aula do minha filha preta?) perguntas que encontravam respostas no Blogueiras Negras.

 

O Geledés, Instituto da Mulher Negra, é outro portal fundamental para todas, todos e todes. Foi e é extremamente relevante para esta geração, respondendo questões diversas como o Blogueiras Negras. O Geledés prioriza reflexões acerca da Comunicação, Direitos Humanos e Educação, tendo à frente um timaço de grandes ativistas negras e sólida estrutura institucional. Criado em 1988, o portal tornou-se mais difundido com a ampliação da internet. Hoje há 636.000 fãs no Facebook e pouco mais de 100.000 no Instagram. 

 

As tretas que rolaram nestes sítios e noutros blogs foram poderosas. Através delas, formadores e formadoras de opinião tiveram de rever suas falas. Um episódio bastante difundido em 2016 foi a Carta Aberta de Giovana Xavier questionando a FLIP daquele ano na qual, mais uma vez, as autoras negras não estavam presentes ou eram raramente representadas. Intitulada "Arraiá da Branquidade", a carta pôs o curador Paulo Werneck na berlinda e os questionamentos a ele explodiram, assim como Juliana Alves pontuou. Afinal, como não ver Conceição Evaristo, Lia Vieira, Cidinha Silva e tantas outras no tal "arraiá"? Werneck acabou caindo. 

 

José Eduardo Agualusa, o famoso escritor branco angolano, defendeu Werneck através do artigo "Arraial da Branca Atitude". Defendendo que primeiro se havia de aumentar o número de negros na plateia da Flip, educando-os para tornarem-se leitores. Assim, posteriormente, teríamos mais escritores negros. Um processo bem parecido com aqueles que defendem primeiro melhorar a escola pública e depois levar os negros à universidade... Enfim, o blábláblá de sempre! Ai, ai ... esse povo deveria matricular suas crias de parto natural na escola municipal. Ajudariam bastante neste processo. Mas voltando... Agualusa escreveu este absurdo há cinco anos. O angolano desconhecia Conceição Evaristo e tantas outras escritoras negras diversas? 

 

Brancos e brancas televisivas hoje fazem cursos com mulheres e homens negros sobre racismo, leem e expõem livros de intelectuais negras e negros, para não  escorregarem feio na casca da banana como Agualusa. 

 

E assim, neste mês da Consciência Negra que vai chegando,  quando lembro das novelas de TV aberta retomo Zezé Mota e Juliana Alves naquele papo com Teresa Cristina. Como Denis Carvalho escolheu 30 artistas brancos e somente três negros para uma novela na Bahia? Tomou tanta porrada na internet, e a emissora foi até acionada pelo Ministério Público do Trabalho acerca do problema racial ali existente. Mas esse é papo para uma próxima vez...

 

Valeu Juliana Alves, Zezé Mota e Teresa Cristina!

Ed 15 p Álvaro Sueli Carneiro revê trajetória feminista e de luta contra o racismo em livro.jpeg
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Álvaro Pereira do Nascimento

professor de história da rural fluminense

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Fotos Printerest

Elza Soares, Conceição Evaristo, Nélia Gonzalez, Carolina de Jesus, Ruth de Souza, Sueli Carneiro

 

Rio de Janeiro

nov.2021