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SOBREVIVENDO NO INFERNO

 

 

Sobrevivendo no Inferno é a construção semiótica mais bem acabada para esses tempos que estamos vivendo. O inferno que me refiro aqui não é no sentido bíblico, mas no figurado, é o do extremo sofrimento, do martírio, do tormento.

Sobrevivendo no inferno é também o nome de um dos álbuns dos Racionais MCs, e ele nos sugere dimensões que vão muito além da descrição do real, podemos pensar em dimensões metafórica e alegórica, que se encaixam na angústia que me toma em ser brasileira.

 

Na última semana, Mano Bronw participou dos meus dias quando o assisti, numa conversa com o doutor Dráuzio Varella, o Draw&Brown, e lendo o livro “Sobrevivendo no Inferno”, lançado pela Companhia da Letras em 2018, baseado nas músicas do álbum de mesmo nome.

 

Bronw colocou a periferia no centro do debate e das atenções, tanto para quem vive nelas, como para quem vive longe delas, e apresentou um “o ponto de vista periférico”, cantando as dores, a miséria, a injustiça e a violência que permeia o dia a dia do seu povo preto, produzindo o que a filósofa Djamila Ribeiro chamou de organização do ódio, numa imagem muito precisa para descrever a produção dos Racionais, que vai muito além do musical, pois ela é estética, cultural, política e poética.

O movimento hip-hop dessa época configurou formas de resistência e deu sentido de urgência na criação de outras possibilidades de vida/existência.

O disco é um registro histórico, uma crônica de um país que sempre teve como política o genocídio e o extermínio da população pobre e preta.

Os Racionais memoralizaram passagens trágicas da história brasileira - Diário de um Detento, por exemplo, será um registro para sempre do episódio em que 111 presos do Carandiru foram massacrados pelo estado brasileiro. Não esqueçamos jamais!

 

O impacto político desse álbum na periferia ressignificou a construção real para resistir ao esgotamento e esgarçamento dos tecidos sociais, onde o estado brasileiro desde a colonização (e agora mais do que nunca) escolhe quais os corpos que podem ser mortos, numa lógica etnocida. A radicalidade do movimento dos Racionais, consistiu em denunciar essas práticas e reivindicar a inclusão dessa juventude vulnerável e invisibilizada, dando a eles um senso de coletividade e um tipo de consciência de classe - o sujeito periférico que tem orgulho de onde veio, gerador de potência, força e resistência.

 

A atualidade do álbum em criar novos sentidos até hoje, o coloca numa categoria das grandes obras, por isso precisamos prestar atenção no que as periferias do mundo tem a dizer, a nos ensinar. Precisamos ouvi-las e aprender com elas. Numa outra medida, esses sujeitos periféricos, cuja exclusão é a própria condição de existência, serão eles, que sempre viveram na escassez, que nos ensinarão como sobreviver ao inferno do que ainda está por vir: a catástrofe ecológica. Com as mudanças climáticas, onde todos seremos periféricos.... não teremos redenção para esse inferno.

 

Nada no Brasil mudou de lá para cá.

A ideia de democracia racial era mito. Descolonizemos nossas mentes...

O inferno é o Brasil de Bolsonaro.

 

Racionais é educação social e política...leia, ouça!

 

Precisamos produzir arte, como potência transformadora para começar a circular, e expandir novas ideias, novos modos de sentir, pensar, imaginar e experimentar outros e novos mundos, numa perspectiva afirmativa e criadora.

 

Assim como os Racionais Mcs, carregam e propagam as dores e os gritos de uma multidão de pessoas, urge, nos juntar a eles.

 

Gritemos por Jenifer Gomes de 11 anos, Kauan Peixoto de 12 anos, Kauã Rozário, de 11 anos, Kauê dos Santos, de 12 ,anos, Ágatha Félix, de 8 anos, Ketellen Gomes, 5 anos, Miguel, Jenifer… pelas crianças Yanomamis… pelos...

 

 

Bettine Silveira

Figurinista e Pesquisadora de saberes ancestrais e tradicionais

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Rio de Janeiro

 

Arte Printerest

Julho 2020