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AS FILAS

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São longas, as filas. E muitas. E lentas.

A fila para o sustento, para a dor de dente, o trem. A fila do açúcar, dos ovos, do suspiro.

Na fila do amor, as pessoas torcem lenços nervosos. Nas mãos seguram flores que já murcharam e odeiam os que sabem onde existe água.

 

A fila para os que querem estudar finlandês é pequena e cheia de uma irrequieta esperança. Mas ao chegar no guichê só há vagas para balconistas e vendedores de selo.

A fila das barcas tem se movimentado com desenvoltura, até desembocar numa fila de barcas.

 

Na fila da família há uma alegre distribuição de sanduíches, que ninguém come. E todos mastigam em silêncio, mesmo quando são violentados por algum parente mais próximo.

A fila dos religiosos se mantém de joelhos diante da longa fila dos deuses. Começa a chover e ninguém sabe informar onde fica a fila dos vendedores de guarda-chuva.

 

Mas a fila que anda mais rápido é para pessoas que devem percorrer grandes filas repetindo: não há vagas, não há vagas, não há vagas.

Há filas sinuosas, com sono e frieiras nos pés, há filas em linhas retíssimas, onde a respiração é compassada, e filas circulares, que acabam em si mesmas. Filas helicoidais, filas elípticas, oblíquas, convexas. São belas as suas formas. E em todas, covardia, cansaço, respostas sem enigmas.

 

Na fila dos cachorros é proibido abanar o rabo. Na dos humanos, não.

Fale na fila somente o indispensável. E repita-o sem cessar, não convém ficar calado.

Corre um boato de que a fila para lipoaspiração está se movimentando com grande rapidez. Também dizem, à boca pequena, que a fila para recadastramento de sadomasoquistas foi dispersada. Sussurra-se ainda que na fila dos gerentes de represas distribuem-se alimentos e cobertas. E há quem diga que não se pode dormir, durante a noite patrulhas arrastam pessoas que vão engordar a magra e interminável fila dos mortos. Mas a fila dos boatos permanece imóvel.

 

Há filas por cores, por profissões, por ordem alfabética do sobrenome da mãe. Filas para quem quer ir ao teatro, para quem deseja devolver queijos, para os que espirram durante a noite. Filas para os tristes em busca de alegria e para os alegres que precisam chorar, mas desaprenderam.

E há de chegar o dia em que todos estarão nas filas, com suas senhas na mão, seus documentos no bolso e seus exames num envelope pardo.

Cesar Cardoso

escritor, roteirista e poeta

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ilustração printerest

Rio de Janeiro

abril 2022