Campo de refugiados
Yarmouk, Damasco, Síria
2015
Campo de refugiados
No vale do Bekkah, Lïbano
2015
CONGELAR
Fotografia é congelar um lapso de tempo, nos encher de saudade pela memória registrada, eternizar um rosto, que não queremos esquecer jamais. São tantas possibilidades na ação de fotografar, que não há como relacionar todas. Do mesmo modo, é minha relação com a fotografia quando ela começou, pois o que me motiva é uma mistura de tantos sentimentos que não consigo explicar.
Essa relação iniciou em minha viagem à Arábia Saudita, para realizar um dos pilares da minha fé Islâmica, o Hajj, peregrinar em torno da Kaaba, repetir os passos dos Profetas Adão, Abraão e Mohamad. Queria congelar essa ação, mas, como estudante de Relações Internacionais, ainda sem conhecimento técnico da fotografia, pensei além. Pensei no registro das inúmeras culturas ali reunidas, expressas em 5 milhões de pessoas, todas fazendo a mesma ação, porém carregadas de suas histórias sociais, econômicas e culturais.
A fotografia foi se desenhando em minha mente, me colocando o desafio de como ela e as Relações Internacionais poderiam se fundir. Sem o conhecimento do fotografar, mas com o olhar movido pela mente e o coração, aceitei esse desafio. Esse desafio me levou à Faixa de Gaza em novembro de 2012 onde consegui algumas aulas com um fotojornalista, professor da Universidade de Gaza, considerado um dos melhores da região, com prêmios internacionais.
Em 2014 e 2015 viajei para Síria, Líbano e Turquia, desta vez com um pouco mais de conhecimento na arte de fotografar. Mais que isso, o conhecimento da cultura local, importante para que possamos ter mais flexibilidade de trabalho, me trouxe a reflexão novamente sobre o que se mostra do Oriente Médio, o que se apresenta sobre refugiados, sempre a mesma linguagem de espetacularização da dor, das tragédias. Contudo, eu não queria mais o mesmo. Queria por meio da fotografia congelar olhares que pudessem me contar sua história, sua dignidade e as crianças têm sempre mais a dizer, pois se expressam de forma muito verdadeira. Elas, como as principais vítimas da espetacularização, da violência e da miséria humana, nos dão de graça seus sorrisos, sua vida e seu futuro e nos contam por meio de suas expressões que, apesar de terem se tornados adultas forçadamente, isso não lhes tirou a inocência de serem crianças.
Meu desafio era esse: meu conhecimento de Relações Internacionais, de fotografia e da cultura desses povos me davam o dever de congelar, denunciar e transformar em arte tudo o que via e sentia, apesar de minha dificuldade de expressar em palavras tudo isso. Sentia como se a fotografia conseguisse escrever para mim. O apoio recebido pela Al Wafaa Campaign para as viagens, poder acessar lugares ermos que os Organismos Internacionais não conseguem alcançar enriqueceram toda essa experiência e busca por conhecimento.
Como resultado desse desafio, nasceu o Projeto Infância Refugiada que apresenta ao público uma realidade da qual se sentem tão distantes, que quebra os paradigmas acerca dos refugiados e torna os olhares mais humanos. Meu desejo é que, através desse projeto, as pessoas voltem às suas vidas cotidianas com um pouco de cada olhar, sorriso, expressão e histórias dentro de si de modo que seus olhares do dia a dia se tornem diferentes e que a transformação qual eu passei possa atingir a vocês de forma positiva.
Fotografar é escrever com a luz. Ser criança é a expressão do amor, da prosperidade e o Projeto Infância Refugiada escreveu com a luz o amor assim como me revelou que é o amor que me faz escrever com a luz.
Karine Garcez
Fotógrafa e internacionalista
Cacuia- Ceará
maio 2020