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A VIDA É UMA MAMOGRAFIA

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Nessa época em que a gente debate muito sobre tudo e qualquer coisa, ninguém irá contestar essa afirmação: a mulher tem seios. O homem também, mas menos. Não usa sutiã, ou somente em ocasiões especiais, não se interessa pelo formato do seu mamilo e não venderia a sua mãe por implantes mamários. Resultado: o homem não sofre a mamografia. Sofrer, sim, mesmo que o médico, geralmente o ginecologista, prescreva à mulher fazer esse exame. Bom, a primeira vez, ela faz. Como se fosse uma radiografia banal. Depois, quando ela descobre o que esse exame é, ela vai optar pela precisão e escolher o verbo adequado, então sofrer.

 

A mamografia. Momento de grande solidão. Mesmo que você tenha a sorte de estar acompanhada no consultório, quando chega a sua vez, você fica sozinha. A outra pessoa, que veio por e com você, te abraça com um olhar meigo, sorri como se disesse: « Vai dar tudo certo » mas, nesta fase, ela não sabe de nada, e você também não. No entanto, você finge acreditar nisso, a tentação é muito forte, esse exame será uma mera formalidade.

As radiografias estão acontecendo. Na presença da moça que espreme seios o dia todo você faz cara de que está tudo bem, que bobagem né? Você não grita, apenas ousa uma careta quando essa maldita placa de ferro vem esmagar - talvez estourar - o seu seio direito e depois o esquerdo, o mais doloroso dos dois, parece que tem que ter um, é normal. Você bem que gostaria de berrar: « Porra, puta que pariu, parem com isso imediatamente! » Mas não, não diz nada. Você fica dócil, bem condicionada a reprimir cada manifestação de dor, pois está escrito que faz parte do pacote do parto. Você se torna a mulher perfeita, só se contenta em obedecer por quatro vezes às ordens monótonas da menina das placas. Não respire mais. Respire.

 

Agora você está esperando numa salinha. Sempre sozinha, o peito nu e zebrado por marcas vermelhas, num banco desconfortável e frio. Bem debaixo do seu nariz, algumas revistas para matar o tempo. Garantidas cem por cento femininas, nada que vá explodir o cérebro, perigo zero. Uns poucos artigos e um monte de imagens para ajudar você a atingir a perfeição máxima. Estudos que lhe explicam como emagrecer rejuvenescer vestir-se seduzir trepar. Páginas inteiras de garotas com seios que você nunca teve e que nunca vai ter. Você está pouco se lixando para isso. Você gosta dos seus seios como eles são, aliás você não é a única, e o que você quer acima de tudo é mantê-los. Intactos.

 

O radiologista chega. Ele já sabe tudo. Antes de você, esse safado. No olhar dele você tenta decifrar o veredito. Mentalmente você está reproduzindo o leitmotiv martelado durante o exame. Não respire mais. A sua barriga se comprime, a sua garganta e os maxilares também, o oxigênio começa a faltar mas você se mantem corajosa, digna. Bem educada. O especialista fala, com poucas palavras: tudo limpo, volte daqui a dois anos. Respire. Ah, claro que você vai respirar tranquila. Que maravilha! O ar e a alegria se misturam para invadir você, é um dia de festa. Os seus seios nunca foram tão lindos, tão vivos. Eles mereceriam agora mesmo serem mimados por carícias, imortalizados com uma selfie. Aqui não é o lugar, que pena.

Às vezes, infelizmente, as coisas acontecem de outra maneira. Não respire mais. O médico encontrou um nódulo, a gente não sabe direito o que é. Ah. Na sua agenda vital isso não estava previsto. Você só escuta metade do que ele fala… novo exame… quisto?… câncer? Você não escuta mais. Respire. Hein?! Você está respirando OK, não tem escolha, mas sufocada, desgostosa, só de corpo presente porque o seu espírito não está mais aqui. E o que mais? Mais uma série de análises extras que vão dar o quê? Ainda não se sabe.

 

A vida é uma mamografia. Para cada um de nós. Homem ou mulher, não importa. Ela amassa comprime magoa você. Ela liberta propulsa encanta você. Nos mantém no ritmo de um refrão paradoxal. Não respire mais. Respire. Esse refrão ecoa mais ou menos forte segundo as circunstâncias, as oportunidades. Ao receber a notícia de uma declaração de guerra, de um plano de reestruturação da empresa, dos resultados do vestibular ou das eleições presidenciais, da lista de mortos daquele desastre de ônibus. Você o ouve quando vai declarar o seu amor, quando quer testar uma nova receita, quando a vitória vai ser decidida no segundo tempo, quando você está esperando qualquer telefonema mensagem sinal olhar, quando você entrega sua última peça para leitura. Não respire mais. Respire. Até a ordem final, que emana do todo-poderoso para uns, da natureza para outros, com uma mudança de peso: a repetição. Não respire mais. Não respire mais.

Corinne Klomp

escritora e roteirista

 

Paris

abril 2022