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JEAN-MICHEL BASQUIAT E ESPORTES:

coroas aos "famosos atletas negros"

 

 

Jean-Michel Basquiat (1960–1988) nasceu no Brooklyn, filho de pai haitiano e mãe porto-riquenha. Desde pequeno, apresentou talento para o desenho. Aos seis anos foi atropelado e internado, ganhando de sua mãe um atlas de anatomia para passar o tempo no hospital, fato que influenciou os temas de suas pinturas no futuro. Tornou-se notório na música e principalmente pelo seu trabalho de grafite, com mensagens de texto assinadas pelo nome SAMO© ("same old shit") na região de Lower Manhatan, ainda menos valorizada na década de 1980, em Nova Iorque. 

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Tais grafites influenciariam seu trabalho posterior em pintura, sobretudo uma série de desenhos com textos-imagens de 1981, contendo uma palavra, uma frase curta ou uma simples imagem referindo-se a uma pessoa ou fato. Em 1981, aos 20 anos, passou a vender pinturas nas galerias do Soho, tornando-se um dos principais artistas de sua geração, sendo reconhecido por colecionadores, galeristas e críticos pela originalidade, profundidade emocional, iconografia singular e habilidades no uso de cores, desenhos e composições de sua obra. Nesta época iniciou uma fase relevante em sua carreira, quando realizou trabalhos definitivos para sua trajetória no movimento neo-expressionista, como: “Untitled (Head)” (1981), “Acque Pericolose” (1981), “Per Capita” (1981), “Notary” (1983), e “La Colomba” (1983).

 

Na obra “Per Capita” (1981), Basquiat inicia uma iconografia de personagens como boxeadores, guerreiros e outras figuras heroicas masculinas, também presentes, p. ex., nos trabalhos: “Untitled (Self-Portrait), 15”, “Boy and Dog in a Johnnypump” (1982), “Untitled (Boxer)” (1982), and “Profit I” (1982).

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Em Per Capita, acredita-se que a auréola radiante sobre a cabeça do lutador de boxe, assim como a tocha em sua mão esquerda, fazem homenagem ao boxer olímpico Classius Clay [Muhammad Ali], em face à tocha olímpica usada nas cerimônias de abertura dos Jogos Olímpicos, presentes em outros trabalhos do mesmo artista.

 

A “coroa” é como uma “assinatura” nas obras de Basquiat. Em algumas delas, aparece acima de um nome ou de um desenho que representa uma figura, geralmente um dos seus heróis, atletas como Sugar Ray Robinson, Cassius Clay, Hank Aaron; ou músicos de jazz, como Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Além da coroa, Basquiat também utilizava “auréolas”, enquanto símbolos de honra, para enobrecer seus ícones.

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Tendo iniciado sua carreira com o grafite, como artista profissional, Basquiat fez da linguagem uma dimensão muito importante de sua obra, que em alguns casos, não apresenta figuração, apenas palavras que ocupam todo o plano da tela, como na obra Pegasus [1987]. Algumas vezes, a linguagem foi usada para a elaboração de temas. Em algumas obras há listas ou diagramas de palavras com significados aproximados, noutras uma repetição de palavras. Em alguns trabalhos, a linguagem desempenha uma função importante na narrativa da composição. Apesar de não ser o único artista a utilizar o texto na obra na década de 1980, foi talvez o que melhor integrou texto e imagem de uma forma dinâmica na mesma obra através do desenho, da escrita e da pintura. 

 

Entre 1983 e 1985, Basquiat desenvolveu uma série de trabalhos com Andy Warhol, tal como “Olympics” [1984] e “Olympic Rings” [1985], este último produzido após os Jogos Olímpicos de verão, realizados em Los Angeles. Na obra, é nítida a intervenção de Warhol nos anéis estilizados, enquanto Basquiat introduz a pintura de uma máscara negra, crê-se, fazendo alusão aos atletas negros do passado, como Jesse Owens e Carl Lewis.

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Em 1985, Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat fizeram uma exposição em coautoria em Nova Iorque, com organização de Tony Shafrazi e Bruno Bischofberger, cujo pôster tornou-se famoso, apresentando ambos artistas, o ícone da Pop Arte e o artista de rua, com luvas de boxe e punhos cerrados.  

 

Seus trabalhos falam de um “jovem artista negro” num “mundo da arte branco”, muitas vezes representado pela dicotomia das cores preta e branca nas estratégias de sua produção artística. Estas dicotomias fazem parte de vários trabalhos que abordam questões como pobreza/riqueza, integração/segregação, inclusão/exclusão. Em 1985, Basquiat foi capa da “The New York Times Magazine”. Faleceu precocemente, em 1988, aos 27 anos.

 

 

Fontes

MAYER, M. Basquiat. New York: Brooklyn Museum, 2005.

FLORIDO, E. Jean Michel Basquiat. New York: Gagosian Gallery, 2014.

 

Fabiano Devide

artista visual

 Formado pela EAV-Parque Lage e professor associado da UFF, pesquisa gênero e práticas corporais, a partir

de marcadores como sexualidade, raça e classe. Recentemente, desenvolveu pesquisa de pós-doutoramento, na qual investigou

as relações entre masculinidades e práticas corporais na obra de Alair Gomes e organizou o livro

“Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte”, pela nVersos.

 

 

Rio de Janeiro

nov.2021