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DAMARES:

"AS MENINAS VESTEM ROSA DE HIROSHIMA"

 

 

Representando o Ministério da Mulher, da Família do Presidente e Direitos Humanos é Só Pra Bandido, a Ministra Damares Alves já tem pronto o seu discurso da celebração do Dia das Crianças. Tal pronunciamento se realizará no Salão Paroquial da Escolinha Sem Partido do Professor Olavo e reunirá uma seleta plateia de adultos e muitas crianças de bem: aquelas que não tomaram mamadeira de piroca, nem foram masturbadas quando bebês. E ainda são puras. Nessa condição de pureza da alma já está certa a presença das filhas e filhos adotivos de Santa Flordélis, ao menos os que ainda estão vivos e soltos. As palavras de Damares serão inspiradas pela narrativa de uma passagem bíblica: ao ver seus apóstolos tentando impedir a aproximação de um grupo de crianças, Jesus disse “vinde a mim as criancinhas, pois delas será o reino de Deus e a TV Record”. Tomada de tamanha inspiração, a sacerdotisa iluminada dirá, quase em surto profético...

" Vinde a mim, vinde a mim as criancinhas, vinde a mim a criancinha grávida aos 10 anos, tu parirás os frutos indesejados do seu indesejado ventre, que cresce com a vida e levará a sua própria vida, para sempre. Irás para o céu e lá serás bem vinda, como disse o Homem da Goiabeira. Daqui desse Ministério você sempre ouvirão que a infância é a melhor fase da vida... para procriar. Ou trabalhar, como diz o Presidente. Meninas grávidas, a infância chegou a vós em dose dupla, na benção de uma nova criança, realizareis um sonho dourado... ser mãe aos 10, aos 11, aos 12. Não precisareis mais treinar com as bonecas, deixai-as de lado e passai a ninar seus filhos, se for menino vistam-no de azul, se for menina, de rosa, a rosa de Hiroshima estúpida inválida. Hoje, no dia da criança, queria lembrar das crianças índias que salvei de serem enterradas vivas mas oh esqueçam das crianças índias incineradas junto com a alma de suas florestas, essas bruxas que queimam como bruxas ao comando do Comando dos Inquisidores. Criança, não verás país como esse, seu ventre enorme lhe impedirá de enxergar qualquer futuro”.

 

Ao final do pronunciamento, as crianças presentes calarão, nada entenderão, mas em segundos, seguindo os frenéticos sinais da apostolesa Sararmada Winter, passarão a celebrar o discurso. Não aplaudindo, mas fazendo sinal de arminha com a mão. O som de tiro sairá das suas bocas miúdas e encherá de prazer os ouvidos dos adultos.

 

Gil Rodrigues

Roteirista e jornalista

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setembro 2020