IMAGINÁRIO PERIFÉRICO:
ATÉ ONDE VAI A LINHA DO TREM
E se um dia os artistas visuais decidissem exibir os seus trabalhos para o povo e o elegesse como sua clientela mais importante? E se houvesse uma curadoria do afeto voltada para incluir e não para “selecionar” por meio de critérios estéticos subjetivos e duvidosos? E se o sistema de arte priorizasse as camadas sociais mais humildes democratizando de fato o acesso à cultura? E se o cidadão brasileiro e periférico pudesse se reconhecer e se ver representado na Arte Contemporânea?
Na prática, essas perguntas foram respondidas há quase 20 anos com as ações contra hegemônicas e revolucionárias de um coletivo de artistas contemporâneos surgido na Baixada Fluminense chamado Imaginário Periférico. Noções sobre identidade e território passariam a ser tensionadas, quando no ano de 2002, Deneir de Souza, Jorge Duarte, Julio Sekiguchi, Raimundo Rodriguez, Roberto Tavares e Ronald Duarte decidiram desestabilizar o “meio de arte” institucionalizado. Assim se iniciou um modelo inédito de produção de exposições, curadorias, mostras, ocupações e intervenções urbanas.
As primeiras exposições do coletivo, ainda em um formato convencional, foram realizadas em unidades do SESC distribuídas pela Baixada Fluminense e pelo subúrbio do Rio de Janeiro. Mas, em 2003, o coletivo realizaria aquela que seria sua intervenção mais simbólica na estação ferroviária da Central do Brasil. Em meio a milhares de trabalhadores que utilizavam a malha ferroviária, cerca de 40 artistas ocupariam a estação promovendo um espetáculo gratuito e multidisciplinar. As convocatórias realizadas inicialmente no “boca a boca” passariam a ser feitas também por e-mail juntamente com a prática da curadoria do afeto, que não exclui obras e artistas. O coletivo chegou a reunir centenas de artistas simultaneamente.
Como diz o funk do artista Nivaldo Carneiro “Com seu batidão feérico” o coletivo levou a arte contemporânea para lugares abandonados pelo poder público como: Pau Grande – Magé, Três Corações – Nova Iguaçu, São João de Meriti, São Gonçalo, etc. até percorrer áreas centrais como a Cinelândia e outros países, como França e Bélgica.
De uma maneira anárquica, e por vezes entrópica, o coletivo acostumou-se a subverter a lógica elitista e neoliberal tão característica do circuito de arte. Hoje, em tempos de desmonte e desamparo à cultura, é preciso mais do que nunca reconhecer as táticas e as transgressões de um imaginário periférico.
texto
Renata Gesomino.
Profªadjunta IART/PPGARTES-UERJ
Historiadora, crítica de arte e curadora
Imaginário Periférico
Deneir de Souza, Jorge Duarte, Julio Sekiguchi, Raimundo Rodriguez,
Roberto Tavares e Ronald Duarte
fotos
Imaginário Periférico
Rio de Janeiro
fevereiro 2021