TUNGA NA SABABUW
A CONTEMPORANEIDADE DA PRESENÇA AFRICANA EM REDENÇÃO CEARÁ
O livro conexão artística (fotografia e gravura) trilíngue intitulado Tunga na sababuw - A contemporaneidade da presença Africana em Redenção-Ceará , da fotógrafa cearense Karine Garcêz em parceria com as gravuras do artista plástico Nauer Spindola,com fotografias elaboradas em preto e branco em uma busca pela luz manifesta por meio de uma escala linear que contrapõe valores diversos, trabalhando a dialética dos opostos, ressaltando as contradições e heranças nessa contemporaneidade vivida por Redenção.
O emprego do claro-escuro aparentemente aumenta a nossa capacidade de expressar as paixões humanas, as fotos em preto e branco destacam a oposição entre dois termos, luz e trevas, no livro contrapomos esse conceito de branco luz e preto trevas, mas trazer o preto como a força Africana, resistência e a riqueza cultural de um povo. O preto é sempre associado a dor, negatividade resquícios da colonização, do racismo presente nos colonizadores e que se perpetuam estruturalmente na sociedade brasileira. O preto em Tunga na Sababuw é ancestralidade.
O contexto histórico da Vila de Acarape, do Tupi Caminho dos peixes, habitada originalmente pelas etnias Potyguara, Jenipapo, Kanyndé, Choró e Quesito, foi distrito militar de Baturité com as
missões Militares religiosas do período Imperial, passando a condição de vila após a implementação da agricultura da cana-de-açúcar no século XVII.
A partir do século XIX recebe investimentos na agricultura de cana de açúcar e passa a ser polo de engenhos de fabricação de açúcar e rapadura, utilizando-se da mão de obra da população africana, traficada e escravizada no Brasil.
Em 1883, chegavam à então Vila Acarape, abolicionistas como Liberato Barroso, Antônio Tibúrcio, Justiniano de Serpa, José do Patrocínio e João Cordeiro, com a finalidade de assistirem a alforria de 116 escravizados do lugarejo. A partir daquele ato, em frente à igreja matriz local, não haveria mais pessoas escravizadas ali, ganhando a vila o nome de Redenção, pioneira em libertar seus escravos no País. Esse processo importante e histórico foi negligenciado pelo poder público e pela sociedade, que tratou de esquecer essa população “liberta”, não por reconhecer seus status de seres humanos detentores de direitos e dignidade, mas por uma questão climática e econômica, já que estavam em um processo de declínio da plantação de cana-de-açúcar, devido à seca na região. A cada escravizado que morria os senhores de engenho deveriam pagar uma indenização ao Império.
Como filha da região, cresci com essas histórias narradas, como a de que os negros que morriam eram jogados no rio, para que fossem encontrados em outra região, tirando a responsabilidade do seu senhor e os colocando como “escravos fujões”. E assim esses relatos eram sempre repassados de forma oral. Nas escolas da região pouco se falava do período escravocrata de forma real, mas com uma capa de heroísmo.
Algumas famílias com quem convivia, tinham práticas de casar entre familiares, para não ter mistura com pele escura, convivia com uma normalização das exclusões, o que conflitava com a educação e sua conjuntura familiar: Mãe negra, pai branco, que contraiu Hanseníase e mesmo curado, com poucas sequelas, o estigma ficou, o preconceito era sutil, velado ou agressivo, essas memórias ficaram e ao logo do tempo contribuiram para uma consciência social e politica, de oposição a essas exclusões, mas também um incomodo pela falta de memória ou escassez de documentos históricos e ou descendentes dessas 116 pessoas “libertas".
Hoje o Sopés do Maciço de Baturité, Vila de Acarape desmembrada em: Redenção, Acarape, Barreiras e os distritos de Antônio Diogo (sua terra amada), Itapai, Guassi recebeu a Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia – UNILAB, escolhida justamente pelo seu contexto histórico, a qual acolhe hoje Africanos, na sua maioria da Guiné Bissau em um outro contexto, dentro de uma outra estrutura social. Portanto, a partir desses fatos, a fotografia documental, se faz pertinente para resgatar esses registros do passado e congelar o lapso de tempo do presente, chamando a reflexão para as heranças da cultura africana deixada por esse período triste da nossa história, seja na cultura alimentar ou nos costumes sociais e agrícolas, hoje com essas novas interações culturais e linguistas.
TUNGA NA SABABUW: da cidadania cultural dos africanos no Brasil
Tunga na sababuw: é em línguas Bambara e Diula, duas línguas faladas no Mali, no Burkina Faso e na Costa do Marfim.
Tunga significa a migração; Sababu vem da noção islâmica de Sabab que é tudo o que acontece (a mediação) pelo qual a vontade de Deus acontece, se realiza. É uma noção que as línguas africanas se reapropriaram e nesse sentido que e nessas duas línguas, sabu ou sababu, dependendo da construção da frase. E o plural nessas línguas se expressa pelo "w".
Então por tunga na sababuw trata-se dos ‘’sabab’’ que a migração (africana) trouxe no Brasil.
A Cidadania Cultural é um conceito em das Ciências Humanas e Sociais (central em todos meus trabalhos) expressando a importância assim como a centralidade da cultura no ser e fazer humano; a cultura vista como o que é irredutível no humano desde o neolítico pois é através dela que o humano se socializa. E para as sociedades africanas, a socialização é o processo pelo qual o humano se lapida para se tornar ‘’pessoa’’.
E processo todo implica *conhecimento*: de um lado transmissão de conhecimento e do outro, aprendizagem e reapropriação desse conhecimento pelas diferentes dimensões de nosso ser. Tanto é que, socializado, o humano cultural ‘’incarna’’ um conhecimento, (parte) do conhecimento que Allah subhanna wa taala lhe ensinou na criação e que caracteriza a sua especificidade dentro da Criação assim como a sua dignidade. E qualquer lugar que seja, nos expressamos através de uma cultura e conforme a Responsabilidade que o humano aceitou de Allah subhanna wa taala de ser ‘’Vice-regente’’ na terra, somos todos (e temos que sermos) cidadãos.