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DIÁRIO DE UMA MÃECONHEIRA

Querido diário,

 

Fim de ano quase chegando e putaquepariu, tudo saindo conforme eu não esperava.

 

Fiz muitas coisas este ano que nunca pensei que faria, inclusive tinha preconceitos sobre tais coisas que eu pensei que nunca faria, confesso. Mas, veio a pandemia, a quarentena e várias tretas, várias queixas.

 

Eu fiquei de fato 106 sem dias sem ver um humano sequer, só por tela. Foi louco. Eu fui demitida de um trampo legal e isso me desestabilizou financeiramente: sem seguro-desemprego, sem auxílio do governo, mestrado sem bolsa, putaquepariu.

 

Só que desta vez eu não quis mais uma vez me desfazer de meu canto pra ir morar num quarto ou dividir com alguém, ainda que fosse o irmão. Família é massa pero é osso. Risos de nervoso. Tampouco quis aceitar qualquer trampo pra pagar as contas. Eu queria um pouco de paz pra ficar no meu canto produzindo o que me move. Impressionante, mas eu só consigo fazer o que eu quero e acredito. Passo fome, mas é assim. A minha teimosia é uma arma pra conquistar.

 

Surgiram algumas propostas de emprego, que seria quase que como uma babá de luxo só que as mães burguesas alternas gostam de chamar de educadora parental. Eu fudida de grana preocupada com as contas, até cogitei. Fui até pra uma reunião. Quando cheguei na grande casa, eu tirei os sapatos para entrar e putaquepariu, manos do céu, era inverno e eu tava com uma meia que era só desenho da folha da maconha. Pensei: elas não vão olhar pros meus pés. E se olhar não vão ligar. Elas são alternas, fumam maconha com certeza. A conversa fluiu bem e eu atendia aos critérios, mas quando eu falei de décimo terceiro elas se entreolharam e viram meus pés, não fechou a conta e elas nunca me deram uma resposta (e isso diz muita coisa) e eu fiquei aliviada, no meu coração eu não queria ser babá ou educadora parental que fosse, pra essa gente careta e covarde, eu já não tenho piedade.

 

Surgiram algumas traduções muito legais com conteúdos feministas e antirracistas que fiz com muito prazer e salvou. Surgiu um blog sobre o universo materno que me convidou pra escrever semanalmente com elas e o faço com prazer.

 

Fiz um projeto de mestrado em doze horas e fui aprovada em terceiro lugar. Este é o terceiro mestrado, os outros dois anteriores por questões de filha e grana não consegui fazer. Então, foi mais um motivo pra eu não pegar qualquer trabalho pra eu ter tempo para dedicar-me ao mestrado. Ainda tem a maldita faculdade de pedagogia que tô fazendo, à distância. Aos trancos e barrancos. Escrevi alguns contos muitos legais. Vários livros engatados. Uma noite qualquer de inverno bebi uma garrafa inteira de vinho (eu não bebo) e fiquei bêbada rindo à toa. Um dia qualquer de inverno tomei lsd e fiz umas colagens. Aliás, este inverno foi bem lisérgico.

 

E então, eu cansada de siririca, transei com o vizinho que há muito insistia. Foram só duas vezes, depois não quis mais. Cansei do motoboy também. E agora josé? A festa acabou. Não tem mais rolê. Como paquerar? Eu sempre fui cara a cara. Tinha muito preconceito com Tinder e apps afins. Criticava muito, aliás critico ainda. Pero, eis que no dia 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, eu baixei o tinder.

 

Nunca pensei que faria isso e fiz. O primeiro match fudeu tudo já. Me apaixonei. Risos de nervosa. Intenso. Ainda tentei conhecer outros caras pelo tinder, conheci outros de fato, transei com pouquíssimos e gozei só com uns dois. Rio pra não chorar.  Desinstalei o tinder e realmente, não é pra mim. Mas, não me arrependo, nem mesmo da paixão intensa. Acabou. Acabou tudo. O tinder. A paixão. As tentativas de paqueras, os crushs, tudo. Não tenho tempo e nem mais idade pra essas coisas. E que frase mais careta, Maíra! Risos. Mas, eu ainda vou escrever uns contos sobre minhas experiências no tinder. Já tenho o título: Minha estréia no tinder: do tesão ao óbvio.

 

Na real, fazendo um saldo rápido de meu breve e intenso uso do aplicativo foi massa na real. Me apaixonei pelo primeiro. Quis me envolver com o último. Quase piro mas eu me inspiro. Quanto mais como os homens mais eu entendo-os e mais in-digestos ficam. E percebo seus personagens. Na minha história de Conto de Fados começava só com o dragão. Depois veio o mago. E mais depois o gigante.

 

Fiz um livro de poesia. Pesado. Nunca pensei que fosse fazer poesia. Mas, a poesia o tinder a paixão dark livros lsd maconha solidão in my dark side of the word, foi tudo junto. Vivi intensamente tudo isso e foi altos entendimentos conhecimentos risos choros gozos conversas trocas superações transformações etc. Efeito borboleta.

 

Lobo, desculpa o atraso nos trampos, teve isso também. Eu fiz um livro de poesia, um rascunho para uma epopeia de minha geração e eu não sou poeta então, pense!

 

Eu tive que escrever dois trabalhos de conclusão de curso sobre metodologia de ensino da língua inglesa e mano, i don’t speak english. E não curti fazer, toma muito tempo e pouca grana além de eu estar cometendo pequenos crimes. Nada contra os crimes, mas este crime não cometo mais.

 

E teve isso da paixão, hoje confesso. É que sou muito concentrada, eu sento concentrada.

 

Eu tenho conquistado muita coisa e a meta é sempre dobrar a meta até porque só acaba quando termina. Então, o verão está aí na boca e eu tô do jeito que eu quero: com minha filha, minhas drogas, meus livros, meus discos, meus amigos – irmãos e mãe, e nada mais.

 

Era sol que me faltava.

 

 

Floripa, 28 de novembro de 20
14h53

 

 

 

 

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Prazo final: 10 de abril de 2021

Maíra Castanheiro

Escritora e historiadora

Editora moluscomix

aldeiadosaber

 

Fotos

Cristina Souza

 

Florianópolis

março 2021