CONGADA
Numa Ilhabela (SP) que enriquece e cresce em velocidade espantosa, caiçaras tornaram-se minoritários. A Congada encenada por eles e seus descendentes nos ancora pois a um passado que nos escapa veloz.
Ela tem uma feição operística na sua faceta mais popular: o embate entre os Congos na rua. É dança e é canto realizados por pessoas que não são atores nem músicos, mas exercem esses papéis com notável desenvoltura. E a batalha que travam tem final feliz. Nessa nossa triste época de degradação por todos os lados, com o primado da completa insanidade nos causando enorme mal, é um alívio assistir um desfecho onde os beligerantes entram em acordo, depõem suas armas e se abraçam feito irmãos.
O fato de venerarem um santo negro, pobre e com um ofício considerado sem brilho - o de cozinheiro, encanta porque, mais do que nunca, é urgente reconhecermos o valor e o protagonismo dos que foram e continuam a ser marginalizados, somando nossas forças para o impostergável combate do racismo.
E definitivamente maravilhosa é a Ucharia, envolvendo tantos voluntários para alimentar uma enormidade de gente sem nada cobrar. Essa capacidade de doação ao outro, apesar dele poder ser diferente, que os congueiros e suas famílias têm, é matéria escassa demais hoje em dia e se nós pudéssemos exercitá-la corriqueiramente poderíamos, sem dúvida alguma, construir uma cidade melhor, um país melhor, o mundo inteiro melhor.
Essa é a magistral lição que a Congada nos oferece.
(*) Publica a coluna foto em foco no Nova Imprensa: https://novaimprensa.com/author/marciopannunzio
Márcio Pannunzio
artista visual
trabalha com desenho, gravura, pintura e fotografia.
Rio de Janeiro
nov.2021