O PERIGO QUE RONDA A FUNÇÃO SOCIAL DOS MUSEUS
A pandemia do COVID-19 atingiu o setor cultural em cheio. Os cancelamentos de festivais, shows, peças e sessões de cinema, dentre outras atividades, têm tirado o sono de produtores, artistas e inúmeros outros profissionais da área. Estes, acostumados a ganharem o pão de cada dia por demanda, já começam a sofrer os impactos da crise econômica global que se inicia.
No campo dos museus a situação é parecida. Com o fechamento de exposições e a consequente perda de receita, seja por parte de financiadores privados ou públicos, atingidos pela baixa dinâmica econômica, seja por meio da venda de ingressos, muitas instituições começam a demitir funcionários.
Que funcionários são esses? Infelizmente, os educadores. O MoMA e a Fundação de Serralves foram os primeiros que tiveram suas decisões de demissão em massa tornadas públicas. Para a instituição nova-iorquina, esta decisão se justifica, pois, talvez demorem meses, ou anos, para que sejam necessários serviços educativos no Museu.
Em São Paulo, o contingenciamento de verbas destinadas à gestão dos museus estaduais já começa a atingir os setores educativos das instituições. A imensa maioria da equipe do Museu de Arte Sacra foi demitida, enquanto centenas de profissionais de diversos museus ligados ao Estado encontram-se amedrontados perante rumores de novas demissões em massa.
O pronunciamento do MoMA, aliado às demissões, denuncia a sobrevivência de uma caduca concepção das instituições museológicas condenada há décadas por alguns profissionais deste campo e setores da sociedade em geral: o funcionamento dos museus enquanto espaços, fundamentalmente, de salvaguarda do patrimônio cultural da humanidade.
Há décadas, porém, o campo museológico havia se convencendo de que, em paralelo à função acima, as instituições museológicas deveriam responsabilizarem-se pela sua função social, o que significa, de maneira geral, que devem responder às demandas sociais de democratização cultural e informacional e de desenvolvimento econômico.
Dentre as ações desenvolvidas para esse fim, os museus têm ampliado o diálogo com agentes sociais das comunidades as quais estão inseridas, têm ampliado a atuação de seus setores educativos, têm desenvolvido inúmeros mecanismos de divulgação de seus acervos e têm procurado dividir a narrativa com relação ao patrimônio cultural ao qual se debruçam.
A pandemia pela qual estamos passando traz à tona os riscos de que os ganhos citados sejam enfraquecidos. Demitir educadores neste momento é compreende-los como profissionais apenas encarregados de receberem visitantes e guiá-los pelo interior de exposições.
A atuação de um educador de museu, pelo contrário, está longe de se resumir apenas a isso. Cabe a estes profissionais, por exemplo, em conjunto com outros, conceberem programas de comunicação do acervo dos museus e do conhecimento gerado a partir destes, conceber propostas de diversificação dos públicos das instituições, participarem das propostas curatoriais e manterem-se em rotinas de constante formação profissional.
Todas estas ações, e inúmeras outras, são possíveis em rotinas de teletrabalho.
É preciso pontuar também que, no caso específico do estado de São Paulo, a discussão não deve englobar apenas a concepção de museu e as funções de um setor educativo. Devemos mirar também o atual modelo de gestão dos museus estaduais, bem como a enorme discrepância - política, simbólica e de rendimentos – de equipes e cargos nas instituições.
É nítido para muitos profissionais de museus que estas instituições não serão as mesmas após o recrudescimento da pandemia. Mesmo que seja difícil nos planejar em meio à tormenta, é fundamental, no mínimo, que tenhamos patente o que não queremos. Ou seja, que os museus retornem a ser instituições voltadas essencialmente à suas reservas técnicas.
Leonardo Vieira
Historiador, museólogo e produtor cultural
São Paulo
Olafur Eliasson
Artista
"Riverbad"
Louisiana
Maio 2020