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ORA, POMBAS

 

Hoje eu dei licença para um pombo. Ele vinha andando atrás de mim, rápido e impaciente. Forçou a ultrapassagem por três vezes, mas a calçada era estreita, ou  passava um humano ou passava um pombo. Quando me dei conta não criei caso, girei o corpo 90 graus e lhe dei licença. Assim o pombo foi, olhou pro chão e mal me agradeceu. Mas não fiquei ressentido, nem um pouco!! Na verdade, aquilo me deu um enorme prazer, e eu segui meu caminho orgulhoso do meu ato cortês, e ao que me lembre, com um pombo, foi a primeira vez. Foi ai que veio um humano... deve ter me achado frágil por aquele gesto e investiu agressivo seu corpo sobre o meu espaço. Não tive nem tempo de reagir, e já era a segunda liçença, mas que dessa vez não foi dada, foi roubada. 
 

Quando dei por mim aquilo já era uma atração, e formava-se uma fila na calçada, todos na minha direção. Pensei comigo: "meu deus, que pessoas cobiçentas, querem  tirar uma casquinha de tudo, até da minha licença." O próximo corpo humano que veio não teve vez, tratei de guinar o meu para o lado, dando uma  manobra precisa, uma bela fechada. E novamente senti um enorme prazer...
 

Acho que finalmente eu estou compreendendo a sublime arte de andar nas ruas.

 

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Pedro Romão

cineasta

Rio de Janeiro

 

foto

Pedro Luis Raota

Buenos Aires

 

agosto 2021