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O AVANÇO DA NECROPOLÍTICA

 

 

A alegoria construída no filme Bacurau onde estrangeiros endinheirados e poderosos pagam, subornam e ignoram todo tipo de lei e bom senso para matar pessoas pode ser mais bem significada quando aproximada aos escritos do filósofo camaronês Achile Mbembe. Ele também chama a atenção para a luta entre as ideias humanistas e a lógica capitalista.

 

 

Mais do que luta, essa verdadeira guerra mostra que o capital não está dando a mínima para as regras, instituições, leis. Se precisar matar, será com aquele prazer mórbido que vimos em Bacurau. Tudo está naturalizado pois a “elite capitalista” aposta mais do que nunca na máxima “se tenho muito dinheiro, tenho muito poder e quem não reconhecer isso será eliminado!”

Elon Musk, diretor da Tesla, escreveu recentemente no seu Twitter “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. Ele explicava a nova ordem aos que protestavam quanto ao golpe contra Evo Morales, que teve que fugir do País após vencer as eleições presidenciais do ano passado.

Na verdade, o dito empresário quer ganhar facilidades para obter lítio que tem grandes reservas na Bolívia. O mineral é a principal fonte para armazenar energias nas baterias que movimentam os carros elétricos da Tesla. Imagino que não era esse o sonho de Nikola Tesla, o inventor “homenageado” por Musk.

 

O Filósofo africano alerta o que humanismo está sob fogo cerrado do capital. Mais do que isso pode-se dizer que vivemos um novo período de escravização. O capital ocupa o lugar que as nações europeias ocuparam durante os saques e destruição do continente africano. Aliás, de forma semelhante, os assassinos, exploradores e saqueadores utilizam o mesmo discurso do período do final do século XIV até o final do século XIX e começo do XX. São os conquistadores, os civilizadores, os que trarão uma “nova prosperidade”. Para eles próprios, naturalmente.

 

Esse discurso fica claro quando o rei da Espanha, Felipe VI, defender os “conquistadores” espanhóis na América, afirmando que nós deveríamos pedir desculpas pelos heróis deles que foram mortos durante o período de resistência a exploração europeia. O monarca, aliás, reagiu indignado ao presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, quando este reivindicou que a antiga metrópole pedisse desculpas pelas atrocidades cometidas por seu país desde o desembarque de Hernán Cortés no continente americano, especialmente no México.

 

O mesmo raciocínio (?) do atual rei da Espanha é usado para calar os países africanos que pedem, simplesmente, a devolução de suas peças históricas saqueadas durante o massacre europeu no continente. Governos como o da Inglaterra querem que países como a Nigéria paguem para reaver suas peças. É como o sujeito que tem sua bicicleta roubada e depois recebe um pedido de resgate para que a receba de volta. Quer dizer, coisa de bandido!

 

Claro que iniciativas como a do presidente da França, Emmanuel Macron, que pediu estudos para viabilizar a devolução de peças históricas saqueadas do continente africano, são bem vindas, embora muito atrasadas e envoltas em um certo “manto de “bom mocismo” dos governos europeus. Eu te esfolo, mato teu povo e roubo teus tesouros, quando decido devolver devo ser considerado o supra sumo de um novo processo civilizatório. Nas entrelinhas se percebe que esse processo nada mais é do que mostrar a “grandeza humana” dos colonizadores (como gostam de ser chamados).

 

Em 2017 Achile Mbembe já alertava: “outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo.”

 

Esse discurso de que a economia não pode parar, muito ouvido durante essa pandemia, está totalmente coerente a esse “neo escravismo”. O capital se coloca hoje como os traficantes de escravizados de outrora. Assim, a empresa ifood não está explorando ninguém, está oferecendo “novas oportunidades de empreendedorismo” para que possam sobreviver no paraíso capitalista. O fato de viver como escravos não é relevante, assim como não era para os belgas que ainda em 1950 mantinham “zoológicos” com africanos que haviam sido raptados dos seus países de origem.

 

Os alertas de Mbembe tem pouca repercussão. Tomara que não caminhemos para uma nova “normalização” da escravização. Um tempo em que explorados se acreditam empreendedores enquanto vivem e morrem trabalhando 14, 16 horas por dia para que pessoas como o Musk tenham tranquilidade de escolher que governo vai derrubar e que população vai saquear para ampliar seu poder capital.

 

Toni André Sharlau Vieira

Curitiba

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Foto Printerest

agosto 2020