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IMPASSE CONTEMPORÂNEO

 

Pra você, qual a melhor saída para sair desse impasse planetário contemporâneo? Qual o meio mais rápido de superar mazelas como a desumanização (cristão pregando ódio, destruição de eco sistemas …), a concentração de renda e a indústria da guerra, só pra citar três?

O pensador Boaventura Souza Santos tem defendido que o mundo precisa ouvir o hemisfério Sul, precisa perceber melhor o pensamento dos que pagaram as mais altas contas, durante séculos, para ampliar a riqueza e o poder político e econômico do Norte. Boaventura é português e tem formação em Ciências Jurídicas.

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Concordo com Boaventura e trago para ampliar o debate o pensamento da também portuguesa, Grada Kilomba. Psicóloga, psicanalista e artista plástica, atualmente reside em Berlim onde é professora na Universidade Humboldt de Berlim, na Universidade de Bielefeld e na Universidade de Gana. Seu livro Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano, foi o mais vendido na Feira Literária de Parati, a FLIP, de 2019.

 

Para Kilomba somente criando novas configurações de poder será possível produzir novos conhecimentos. Ao criar novos conhecimentos abre-se a possibilidade de novos atores entrarem na “linha produtiva” dessas configurações.

 

Grada afirma que a maioria das nossas referências ainda estão ligadas a uma história colonial. Para ela o conceito de conhecimento é baseado numa relação de poder e violência pois o conhecimento foi negado a maioria, sem contar os conhecimentos invalidados pelas posições de poder, que são as mesmas do poder colonial.

 

É possível perceber claramente o “pensamento colonial” em atos como os do atual presidente brasileiro, “conquistar a terra”, explorar ao máximo os recursos naturais para produzir capital e poder. Se alguém se opuser a isso pode ser morto, ou pode ser comprado, no melhor estilo “diálogo parlamentar”. No pensamento colonial tudo tem seu preço, mas quem arbitra esse preço é o comprador, se não há acordo o comprador tem o “direito” de tomar o que quiser pois é ungido pelos deuses. Um desses deuses de goiabeira.

 

Impressionante a reedição da ideia colonial pelos descendentes dos antigos colonizados. É como na música Fado tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra, “essa terra ainda será um império colonial”! Estamos sendo, tão ou mais desastrados que o império que nos “colonizou”. Grada lembra que em Cabo verde, Angola e Moçambique, por exemplo, após a independência foram trocados nomes de ruas, cidades, marcaram o fim da situação de colônia. Somos um “império colonial”, mas continuamos agindo como colonizados.

 

Grada aponta a produção artística como principal contribuidora para superar o pensamento colonial. Para ela a arte possibilita um diálogo mais profundo com o público e pode fazê-lo questionar de maneira mais tranquila esses 600 anos de imposição da “ordem colonial”.

 

Como artista ela produziu uma exposição que se foi batizada de “desobediências poéticas”, onde apresenta suas propostas fora da órbita do pensamento hegemônico da Europa. Recontando histórias, mitos, as bases do pensamento colonial, ela aponta para as possibilidades de ir além do conhecimento hegemônico e ultrapassar os limites impostos, criando novas narrativas.

 

Sim, essa é a grande prioridade humana nesse momento: criar novas narrativas. Dois pensadores nascidos e que ainda vivem no Norte apontam para a necessidade de mais valorização do Sul como produtor de conhecimento. Desobedecer, poeticamente, as ordens coloniais seculares e descobrir novos caminhos, eis uma possível saída para esse impasse contemporâneo.

Toni André Scharlau Vieira

Prof de comunicação da UFPR

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Curitiba

março 2021