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A RECUSA DA ARTE

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Um dos aspectos que marcou a perda total da sensatez de uma maioria significativa dos brasileiros a partir de 2013, especialmente, foi a recusa da Arte como manifestação humana das mais respeitáveis e necessárias. Sim! Muitos devem lembrar os posts enrraivecidos dos que babavam bilis cada vez que citavam a Lei Rouanet ou xingavam Chico Buarque de esquerda caviar e, sobretudo, os chamados “tiozinhos do zap zap que perguntavam “para que nós precisamos de arte?” Mesmo que logo depois destacasse uma jogada espetacular do seu time preferido (que rendeu um gol) ou uma canção do seu cantor de arrocha preferido.

 

A contradição, como todas as mães (pães), geram o bom e o ruim. Esse comportamento da maioria dos brasileiros redundou no maior erro da nossa História: em nome da imbecilidade assumida como “normal” se elegeu um grande imbecil para a presidência do País.

 

Mas e a Arte? Pois … a arte e os artistas foram massacrados como se fossem culpados pelo desastre da economia que os golpistas alardeavam para chegar ao poder e, assim, realmente desastrar a economia. Isso é o que assistimos nesse momento, enquanto a Arte e os artistas seguem seu labor de propor compreensões sobre os acontecimentos incompreenssíveis.

 

Essa importância da Arte, dos artistas, ficou clara durante a pandemia e as diversas quarentenas após a eclosão do Covid-19. A explosão de lives, aumento de consumo e produção dos canais de stremeaing, ampliação da presença de artistas e produções artísticas nas redes sociais, enfim, uma reconcialiação com o universo da produção artística, apesar de tristes figuras no timão da cultura governamental como Regina Duarte e Mário Frias.

 

Quando Baudelaire chamou a atenção para o fenômeno da modernidade, definiu-o assim no texto “O Pintor da Vida Moderna”, publicado pela primeira vez no jornal “Le Figaro”, em 1863: “A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da Arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”. Os brasileiros que aderiram ao golpe negaram todos esses aspectos e, muitos, seguem seu caminho em direção ao tempo das cavernas, principalmente as platônicas.

 

Durante o chamado período Romântico (século XVIII, especialmente na Europa), o artista era tido como o “homem ideal”, aquele que possuía uma espécie de “razão profunda”. O artista podia adentrar na realidade e, com criatividade, fantasiando-a, apresentá-la de forma compreenssível para o chamado “homem comum”. Não é por nada que grandes cientistas se inspiraram em Julio Verne, Shakespeare, no teatro grego ou na mitologia africana para produzir experimentos, teorias e grandes revoluções comportamentais, tecnológicas, enfim, mudanças comportamentais diversas.

 

Mesmo que isso não seja visível em 100% dos casos (eu imagino que Keynes nunca tenha consumido ou pelo menos incorporado quaisquer ideia artística na sua obra!) o diálogo com a Arte está presente de forma maiúscula na maior parte da produção dita “científica”. Freud, Einstein e tantos outros não são apenas exemplos, eles foram entusiastas da ideia de que a Arte os conduzia para suas descobertas.

 

Agora, enquanto aguardamos um mínimo controle quanto a letalidade do Covid-19, suficiente para permitir maior fluxo de pessoas, o consumo de Arte já nem é criminalizado no zap zap. Parece que os tiozinhos (na verdade robôs do canalha golpista) já perceberam que criticar artistas (comunistas) não está dando muito certo nesse momento.

 

Mas o pior mesmo é assistir as grandes empresas de comunicação brasileiras seguirem esse torpe raciocínio. Assim, Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, a cinemateca se consumir em chamas da irresponsabilidade, Caetano lançar Anjos Tronchos são fatos menos importantes para os que seguem apoiando o golpe e disfarçam de todo o jeito, esperando a “volta da normalidade”. Mas essa é a imprensa que não lê, que aprecia Romero Britto e acha a História coisa de esquerdista. Que a Arte passe por cima desse bloco do retrocesso e da desumanidade.

Toni André Scharlau Vieira

Prof de comunicação da UFPR

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“Adriano Bafônica e Luiz França She-há”: obra de Bia Leite “Criança viada”

A exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, 

em cartaz no Santander Cultural, em Porto Alegre (2017), foi cancelada após uma onda de protestos nas redes sociais. 

A maioria se queixava de que algumas das obras promoviam blasfêmia contra símbolos religiosos e

também apologia à zoofilia e pedofilia.

 

Maputo -Moçambique

novembro 2021